terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Amor,

Se me quiseres amar,
terá de ser agora: depois estarei cansada.
Minha vida foi feita de parceria com a morte: 
pertenço um pouco a cada uma,
para mim sobrou quase nada.

Ponho a máscara do dia,
um rosto cômodo e simples,
e assim garanto a minha sobrevida.

Se me quiseres amar,
terá de ser hoje:
amanhã estarei mudada.

(Autora: Lya Luft)


terça-feira, 30 de agosto de 2011

O Pierrot Apaixonado


– Mate ele, Carlo.
Foi o que disse o pequeno boneco vestido de Pierrot que estava em cima da mesa. A princípio Carlo achou que era efeito do vinho que tomara mais cedo, afinal, hoje ele havia exagerado na dose.  Mas não era o vinho. O pequeno Pierrot realmente tinha falado com ele.
– Mate ele, Carlo. E ela também! Ambos estavam te enganando.
Carlo riu, uma risada rouca, pesada, carregada de ódio. – Não esperava escutar isso, ainda mais de um boneco, respondeu Carlo, fixado nas grandes bolas que eram os olhos do pequeno, – Que engraçado, ser consolado por um Pierrot... Sua história não é muito diferente da minha, colega...
Uma sombra passou pelos olhos do boneco. Carlo conhecia aquele olhar, ele mesmo o usava há certo tempo. Desde que descobrira que sua noiva o estava traindo com seu melhor amigo, Carlo tinha sido dominado pelo rancor.
– Mate-os Carlo. Você tem o direito de se vingar.
Após pesar um pouco, Carlo disse mais para si mesmo do que para o Pierrot:
– Até que não seria má idéia... Os olhos do boneco brilharam. – É fácil Carlo. Aposto que eles estão dormindo juntos agora, sorriu o pequeno.
– Não! Eles não seriam tão baixos! rugiu Carlo, Eu a deixei ficar no apartamento! Ela não o levaria para lá!
Ele começou a se lembrar do dia em que descobrira a traição. Tinha acabado de comprar um colar de pérolas para ela. Ela amava pérolas. Mas, no momento em que olhou para o lado, ele congelou: sua amada estava com a boca colada a de seu melhor amigo, em um pequeno bistrô do outro lado da rua.
– Tem certeza disso? perguntou o Pierrot. Carlo parou por um momento e, enquanto pegava as chaves e saia, respondeu:
– Não, mas vou ter!
Como Carlo esperava, ela não tinha trocado a fechadura. Ao entrar no quarto ele parou: ela estava com a cabeça recostada no ombro de seu amante, e ambos dormiam tranqüilos. Ainda apoiado no umbral da porta, Carlo ficou cego.

– Que sonho horrível, meu Deus! ele pensou. Tinha acabado de acordar e tentava se sentar na cama, abalado pelo pesadelo que tivera.
– Senhor Carlo Vigatti, abra a porta!! É a polícia!! disse a voz por detrás da parede.
Assustado, Carlo levantou-se e, antes de abrir a porta, passou os olhos pela mesa. Ao se encontrarem com os seus, os olhos do boneco vestido de Pierrot brilharam.

***


( Autoria: Jordana Gouveia e Silva ) 
 

terça-feira, 23 de novembro de 2010

CAPÍTULO VI

          Mas que Humanitas é esse?
– Humanitas é o princípio. Há nas cousas todas certa substância recôndita e idêntica, um princípio
único, universal, eterno, comum, indivisível e indestrutível, – ou, para usar a linguagem do grande Camões
Uma verdade que nas cousas anda
Que mora no visíbil e invisíbil.
Pois essa substância ou verdade, esse princípio indestrutível é que é Humanitas. Assim lhe chamo,
porque resume o universo, e o universo é o homem. Vais entendendo?
– Pouco, mas, ainda assim, como é que a morte de sua avó...
– Não há morte. O encontro de duas expansões, ou a expansão de duas formas, pode determinar a
supressão de uma delas; mas, rigorosamente, não há morte, há vida, porque a supressão de uma é princípio
universal e comum. Daí o caráter conservador e benéfico da guerra. Supõe tu um campo de batatas e duas
tribos famintas. As batatas apenas chegam para alimentar uma das tribos, que assim adquire forças para
transpor a montanha e ir à outra vertente, onde há batatas em abundância; mas, se as duas tribos dividirem
em paz as batatas do campo, não chegam a nutrir-se suficientemente e morrem de inanição. A paz nesse caso,
é a destruição; a guerra é a conservação. Uma das tribos extermina a outra e recolhe os despojos. Daí a alegria
da vitória, os hinos, aclamações, recompensas públicas e todos os demais efeitos das ações bélicas. Se a guerra
não fosse isso, tais demonstrações não chegariam a dar-se, pelo motivo real de que o homem só comemora e
ama o que lhe aprazível ou vantajoso, e pelo motivo racional de que nenhuma pessoa canoniza uma ação que
virtualmente a destrói. Ao vencido, ódio ou compaixão; ao vencedor, as batatas.


                                           ( In. Quincas Borba; Assis, Machado de.     Pg. 21)




Need Imagination...

"Necessita Imaginação..."

                        Já pararam para pensar que a vida é apenas um curto período de pequenos acontecimentos que logo serão esquecidos? Não? Bom, agora já têm o que pensar...
Se analisarmos, a vida é muito chata de se viver, pois nada acontece, é sempre a mesma coisa todos os dias.
E quando acontecem coisas diferentes?
                        Ora, se alguma vez acontece algo diferente ou fora da rotina, então é por que nós causamos isso e não por alguma "armação do destino" ou mesmo sorte -, mesmo porque sorte não existe para aqueles que sabem o que fazem e têm confiança em seus atos.
                        "É preciso imaginação para viver, pois a vida, analisada a fundo, é uma MERDA.", R. Pinheiro.
                        Corrijam-me se eu estiver errado. Mas geralmente nosso dia-a-dia é assim:

                        Acordamos
                        Tomamos Café-da-Manhã
                        Vamos para a escola ou trabalho
                        Passamos em média de 5 a 9 horas lá
                        voltamos
                        Almoçamos ou jantamos
                        Vamos dormir cedo, pois no dia seguinte começará tudo de novo...

                        Se por algum acaso algo especial acontece, é porque fomos atrás daquilo para termos essa "opção" alternativa de vida. Se você namora, toca em alguma banda ou faz algo que nem todos fazem, então você apenas vive alternadamente uma alternativa de vida alternada.... Ou seja, acabou de adicionar algo à sua rotina que em pouco tempo será tirada ou apenas se fixará com o tempo...

                        É preciso imaginar coisas para que possamos viver uma vida interessante. Nos iludir em amores que não existem para podermos achar que estamos vivendo por alguma razão; pensar que somos importantes por alguma coisa que fizemos para acreditar que não somos só mais um na vida.

                        Sim, é um modo ingrato de se analisar a vida, mas é o mais sensato pensamento que podemos aceitar.


Pensamentos acumulados por muito tempo geram coisas assutadoras até para quem pensa, não concorda?



                                                Por:  R. Pinheiro




O meio social como barreira para o desenvolvimento humano

                       Atualmente, ter um bom emprego representa o básico para ser inserido na sociedade. Quem não está empregado muitas vezes é tachado como "vagabundo" ou "preguiçoso". Mas será que o meio social em que vivemos propcia oportunidade a todos?
                       Em muitas cidades brasileiras, a grande maioria da população é pobre e depende da rede pública de ensino. Essa por sua vez, é precária e desestruturada, o que acaba por desestimular os estudantes. Sem o conhecimento básico não se tem qualificação profissional nem se consegue um trabalho.
                       Outro fator importante que atua como obstáculo para o desenvolvimento socioeconômico do cidadão brasileiro é o preconceito social. Com base nas teorias de Karl Marx, de que burguesia e proletariado estão em conflito, o preconceito surge como reflexo dessa "guerra".
                       O trabalho deveria ser tratado não como meio de sobrevivência, mas sim como autorreconhecimento de seu esforço e desenvolvimento.
                        A sociedade atual peca ao considerar um bom emprego aquele em que se ganha muito ao invés daquele em que o indivíduo gosta do que faz e sente-se um profissional realizado e feliz.



                                                                               Por: Jordana Gouveia & S.



                   

domingo, 29 de agosto de 2010

NÃO HÁ NADA NO BOSQUE


                                 Breve seria noite. Mas ainda era doce atardar-se do lado de fora da casa, deixar-se ficar na última luz. O ar até então morno desembainhou suas primeiras lâminas. O capim alto e queimado pelo verão ondulou leve.  A mulher cruzou os braços sobre o peito. O homem, sentado no degrau da entrada, recostou-se contra a porta. Não falavam. Foi então que o cachorro latiu.
     Voltou a cabeça para o pequeno bosque de abetos, orelhas erguidas, e latiu.
     Não há nada ali seu bobo, venha cá! ordenou o homem desejando que o cão se calasse e fosse restabelecida a quietude anterior. Inclinou-se para frente, estalou os dedos. O cão não se moveu.
    Vai ver, tem alguma coisa no bosque, disse a mulher. E ele sabia que havendo suspeita de alguma coisa no bosque caberia a ele ir verificar.
    Não tem nada, o que você quer que tenha? respondeu sabendo que se o cão latisse novamente não lhe sobraria alternativa a senão levantar-se e caminhar até a mancha azulada dos abertos. O cão latiu.
    A mulher agora olhava firme em direção ao bosque.
   O homem levantou-se, avançou até onde estava o cão, chamou-o enquanto continuava andando. O cão não o seguiu. Praga de cachorro! murmurou o homem. E foi.
   O bosque estava mais escuro do que tinha pensado. Ali a noite havia se antecipado, deslizando enevoada entre os troncos. O homem esfregou os braços com as mãos para combater o frio, aspirou fundo o perfume de resina. Andou um pouco a esmo, à procura nem sabia de quê. Eu devia vir mais aqui, pensou sentindo debaixo da sola o chão escorregadio e liso, coberto de agulhas. Um galho estalou, alguma coisa volteou no ar. O homem pensou vagamente que seria bom deitar-se naquelas sombras, que faria isso algum dia. E saiu do bosque. Estava a meio caminho quando o cão latiu outra vez.
   A partir daquela tarde foi como se um marco houvesse sido plantado em algum lugar entre os troncos. Um marco de perigo que mantinha alerta os sentidos do cão.
   Latia. Trotava diante da casa, de um lado a o outro, como se defendendo a porta. Avançava súbito, saltava para trás, depois deitava-se quase encoberto pelo capim, o focinho entre as patas, os olhos atentos. E rosnava.
   De nada adiantaram as admoestações, as ordens. O homem quis prendê-lo na coleira. O cão debateu-se tentando soltar-se com os dentes, puxando, até abrir chagas no pescoço, obrigando o homem a libertá-lo. Parecia à mulher que o melhor era mantê-lo dentro de casa, chamava, batia com o prato de comida, seduzia-o. Mas por pouco tempo. O animal raspava a porta com as patas, cainhava metendo o focinho na fresta, e a mulher penalizada cedia.
   O que tem esse bicho? perguntavam-se impacientes. Várias vezes o homem voltou ao pequeno bosque. A mulher chegou a ir com ele. Vasculharam. Nada. Perigo nenhum que se visse.
   O cão, inquieto. Mal comia. O olhar sempre pronto a abandonar o que quer que esteja olhando, para voltar-se naquela direção, na direção da mancha azulada, da suave rigidez dos abetos.
   Começou a latir também à noite, quando certamente não podia ver. Mas os sentidos do cão, pensaram os donos. E o sono se tornou difícil. A inquietação do animal pesava sobre a casa. A ameaça rondava, uma ameaça que eles não podiam ver mas que se corporificava no focinho tenso do cão, nas orelhas erguidas capazes de captar mensagens que a eles, os ameaçados, escapavam.
   Talvez fosse melhor cortar as árvores, sugeriu um dia o marido no café da manhã, com a cabeça metida na xícara. Havia pensado nisso durante a noite, insone. apesar do tom, era mais que uma sugestão.
   As árvores!?, exclamou a mulher, defensiva como se ele tivesse lha pedido para cortas os cabelos. São tão bonitas nossas árvores.
   Pronto, já haviam virado nossas árvores. Agora seria mais difícil convencê-la. Esforçou-se para ser paciente, que os abetos estavam ficando velhos, alguns já se entortavam, breve não seria um ou outro desabaria, era um perigo, o pequeno bosque não seria mais o mesmo ainda que o deixassem como estava. E, depois, a vista. Encobriam a vista. Seria bom ter o horizonte livre. Sobretudo - e o homem sabia que esse era o argumento definitivo - é arriscado um bosque hoje em dia. Pode abrigar qualquer coisa.
  Vieram os homens. O ruído das serras mecânicas sobrepujou qualquer outro durante dias. O ar encheu-se de pó dourado, o cheiro de resina ardia nas narinas. Havia uma quase alegria nesse ir e vir de operários e máquinas, apesar da melancolia com que a mulher olhava às vezes, encostada no umbral, enquanto o terreno era despido de seus cabelos azuis. Depois tudo voltou ao normal.
   Começava o outono. Nos fundos da casa empilhava-se a lenha que alimentaria a lareira. Lentamente atenuava-se o cheiro de resina. Agora da janela - o frio não permitia que se atardassem lá fora -, olhavam o entardecer, viam o sol já mais pálido descendo por trás do horizonte livre. Era um belo espetáculo, embora a sensação de desamparo que os tomava por estarem assim no descampado.
   Uma tarde, a primeira em que acenderam a lareira inaugurando as novas reservas, o cão deitado sobre o tapete sobresaltou-se de repente. Ergueu a cabeça. Foi à porta. Farejou de um lado e outro. Quer sair, disse a mulher. O homem levantou-se, abriu a porta. O cão saiu de um salto. Cuidado com o frio, advertiu a mulher sentindo a lufada. O homem ainda viu o cão, orelhas erguidas, olhando para a campina que se enclinava ao vento, na exata direção onde antes havia estado o bosque. Fechou a porta contendo-a com a mão espalmada. Então ouviu o cachorro latir.





( In: Marina Colasanti , O Leopardo É Um Animal Delicado. Rio De Janeiro: Rocco, 1998. p.78.)  


quarta-feira, 7 de julho de 2010

E bem, e o resto?

                                  CAPÍTULO CXLVIII / 

 Agora , por que é que nenhuma dessas caprichosas me fez esquecer a primeira amada do meu coração?  Talvez porque nenhuma tinha os olhos de ressaca, nem os de cigana oblíqua e dissimulada. Mas não é este propriamente o resto do livro. O resto é saber se a Capitu da Praia da Glória já estava dentro da de Mata-cavalos, ou se esta foi mudada naquela por efeito de algum caso incidente. Jesus, filho de Sirach, se soubesse dos meus primeiros ciúmes, dir-me-ia, como no seu cap. IX, vers. 1: "Não tenhas ciúmes de tua mulher para que ela não se meta a enganar-te com a malícia que aprender de ti".              
   Mas eu creio que não, e tu concordarás comigo; se te lembras bem da Capitu menina, hás de reconhecer que uma estava dentro da outra, como a fruta dentro da casca.
    E bem, qualquer que seja a solução, uma cousa fica, e é a suma das sumas, ou o resto dos restos, a saber, que a minha primeira amiga e o meu maior amigo, tão extremosos ambos e tão queridos também, quis o destino que acabassem juntando-se e enganando-me... A terra lhes seja leve! Vamos à "História dos Subúrbios.

FIM


                                                              (Dom Casmurro, Machado de Assis)